quinta-feira, 12 de maio de 2011

O retorno do rei

Conhecido nos anos 60 como O Rei dos Bailes, o cearense Ed Lincoln tem parte de sua obra em discos relançada, pela primeira vez, em formato digital. Uma caixa especial, lançada pelo selo carioca Discobertas, reúne seis álbuns produzidos no auge da popularidade de seus piano e teclado sensacionais

Ed Lincoln: rei dos bailes e das tertúlias dos anos 60, o cearense é cultuado na Europa e por colecionadores da MPB
Antes do Pessoal do Ceará tomar a MPB de assalto nos anos 70, o Estado já tinha dado, ao País inteiro, mostra de seu talento para a música e para o sucesso de público. Mesmo que muita gente não saiba, e outro tanto sequer o conheça, o cearense Ed Lincoln garantiu há mais de 40 anos seu lugar no panteão da música brasileira, com seu teclado eclético, que convertia bossa, samba, jazz e música latina num ritmo dançante, fácil de ouvir, quase sempre temperado, suavemente, com samba.

Os discos lançados pelo compositor cearense, autor de "Ai que saudade dessa nega", "Amar é bom" e "Eu vou também (Menininha)", esta última feita com Orlann Divo, não fizeram sucesso no Brasil inteiro. "Em Fortaleza, os LPs de Ed Lincoln eram obrigatórios, tanto nas tertúlias das casas ´de famílias´, como nas festas dos clubes dançantes. Suas músicas também faziam parte do repertório dos conjuntos musicais da época", recorda o empresário Francisco Parente.

Na cidade que o viu nascer, Ed Lincoln emplacou sucessos como "O Ganso" e "É o Cid". Ainda hoje relembradas pelos antigos frequentadores dos "encontros musicais" que ocorriam na Capital nos anos 60. Atualmente, seu nome perdeu o apelo massivo, mas conquistou o público europeu (que vê nele um dos pioneiros da música eletrônica) e por colecionadores, como o músico Ed Motta.

Nascido em Fortaleza, em 31 de maio de 1932, Eduardo Lincoln Barbosa Sabóia partiu cedo da cidade. Trabalhou na imprensa local, como repórter e revisor, mas, aos 19 anos, já estava morando na Cidade Maravilhosa. Radicado no Rio de Janeiro desde 1951, ele começou sua carreira tocando baixo no conjunto do famoso cantor Dick Farney. A partir da segunda metade dos anos 50, ele troca de armas: assume de vez o piano e um então moderno órgão, comandando o seu próprio grupo e tocando na noite carioca.

Vem do sucesso desta época a inspiração para o título de um box recém-lançado, compilando seis álbuns do cearense, lançados no auge de seu sucesso, na primeira metade dos anos 60. Produzido pelo jornalista e pesquisador Marcelo Fróes, "O Rei dos Bailes - Ed Lincoln" traz ao mundo digital os antológicos LPs "Órgão Espetacular" (1960), "Seu Piano e seu Órgão Espetacular" (1961), "Álbum Nº 2" (1962), "Piano e Órgão Espetacular" (1963), "A Volta" (1964) e "Ed Lincoln" (1966). Os discos foram lançados originalmente pela Musidisc, gravadora nacional reconhecida pelo alto padrão de suas gravações, enquanto os CDs ficam por conta do selo Discobertas, de Fróes.

Caixa com os seis primeiros álbuns do artista remasterizados
Sofisticação
Especialista em reedições de clássicos da MPB, Marcelo Fróes não esconde a admiração pelo trabalho do cearense. "Acho sensacional o som dele. Ed Lincoln foi um cara que conseguiu trazer a sofisticação da era do Jazz e da Bossa Nova pra os bailes populares", sintetiza o pesquisador.

Lincoln não era o único a pilotar piano e teclados pensando no grande público. Entre os anos 50 e 60, não faltavam na noite carioca quem o fizesse, mas logo muitos passaram a imitá-lo. Quem chega mais próximo de seu talento e influência é Lafayette, tecladista preferido das estrelas da Jovem Guarda.

Resgate
Marcelo Fróes diz como iniciou o projeto: "Através de um amigo em comum, o colecionador Claudio Fragnan, soube da disposição do Ed Lincoln de, finalmente, autorizar a reedição de sua discografia em CD. Sua relação com a Musidisc sempre foi uma lenda. Estes discos estavam fora de catálogo há mais de 40 anos".

Para relançar os discos, o selo Discobertas também tinha de ter a autorização da detentora dos fonogramas originais. "O pessoal da Musidisc foi ótimo, Nilo Sérgio, principalmente, além do Marcelo Sabóia, engenheiro de som, que é filho de Ed Lincoln e fez um belo lobby doméstico", revela Fróes.

Os registros em discos da Musidisc são elogiados até hoje pela qualidade técnica. Os álbuns de "O Rei dos Bailes" foram remasterizados das fitas originais estereofônicas, obedecendo toda a sonoridade das matrizes, resgatando assim uma etapa importante da história de MPB. Mas, se sobra qualidade, falta informação. A ficha técnica dos discos relançados de Ed Lincoln guardam mistérios e, por consequência, gera muitas lendas. Muitos vocalistas que participaram das gravações não são creditados e não conseguiram ser identificados pelo pesquisador Marcelo Fróes. "Sabemos que Pedrinho Rodrigues, Orlann Divo, Sylvio César, Nilo Sérgio e muitos outros passavam pelos estúdios da Musidisc na mesma época", conta.

O produtor comemora a receptividade da primeira edição da caixa. "Tem sido extraordinária! Mal tinha chegado às lojas daqui e já aparecia na pré-venda do site da Tower Records, no Japão. Acredito que a caixa vá ter uma boa saída e, a julgar pelo espaço da mídia e entusiasmo do público, acredito que essa reedição já possa ser considerada um sucesso".

Reprodução fiel
A luxuosa edição de "O Rei dos Bailes - Ed Lincoln" resgata também o aspecto gráfico das edições originais, reproduzindo fielmente as capas, contracapas, encartes, textos, ilustrações, fichas técnicas e selos de suas matrizes. A reedição vai ao encontro de uma demanda pelas raridades do músico cearense, disputadas em sebos de discos de vinis por colecionadores e historiadores da MPB. "Já vi um título dele em CD pirata, feito na Rússia, com áudio extraído de vinil. É claro que esses 40 anos de material fora de catálogo não impediram que cópias em CD-R circulassem entre fãs e que, hoje, parte de sua obra esteja espalhada em MP3 pela internet. Mesmo assim, esse box irá agradar muita gente", avalia Fróes.

O produtor adianta a Discobertas deve lançar mais material de Ed Lincoln. Os próximos a sair devem ser os discos gravados na segunda metade da década de 60 e nos anos 70, assinados com o nome do músico. Paralelamente a seu trabalho autoral, o cearense gravou com pseudônimos, como Pierre Kolman e Bob Fleming, em discos de grupos como Os Violinos Mágicos e Orquestra Românticos de Cuba, também do catálogo da Musidisc. Fróes não descarta trabalhar, no futuro, com esta parte do vasto e valioso baú do rei dos bailes do Brasil.

REEDIÇÃO
O Rei dos Bailes
Ed LincolnDiscobertas, 2011, 6 CDs, r$ 99
Caixa com os seis primeiros álbuns do artista remasterizados. Textos de apresentação do pesquisador Marcelo Fróes

NELSON AUGUSTO
REPÓRTER

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