sábado, 3 de setembro de 2011

Apenas 40% das cidades cearenses têm Plano Diretor

Praça central de Limoeiro do Norte, uma das primeiras cidades do Estado a elaborar seu Plano Diretor. A fiscalização pelos moradores é essencial ao seu cumprimento
MELQUÍADES JÚNIOR

A falta de um Plano Diretor pode gerar ação por improbidade administrativa contra os gestores municipais

Limoeiro do Norte. Em duas décadas a população cearense nunca esteve tão urbana. Mas a concentração de gente não foi acompanhada de atendimento dessa demanda, foi uma urbanização sem crescimento urbano. Ou seja, sem serviços essenciais como saneamento básico, educação, saúde, e mesmo prevenção às áreas de risco. O Plano Diretor é um levantamento municipal que trata dessas e de outras questões. É, no mínimo, de bom senso que todas as gestões municipais sejam norteadas por esse plano. Mas no Ceará, dos 184 municípios, apenas 72 fizeram o Plano Diretor, o que representa apenas 40% das cidades. Por lei, 105 Municípios cearenses são obrigados a tê-lo. Aos prefeitos desobedientes, qualquer entidade civil pode acionar o Judiciário ou o Ministério Público. Pode-se até abrir processo, haver julgamento e condenação por improbidade administrativa.

Os gestores municipais até podem continuar fazendo suas promessas, criando obras, implantando serviços, fazendo suas intervenções urbanas. Mas um Plano Diretor, além de nortear as ações públicas, potencializa os gastos públicos e reduz os prejuízos futuros. Por exemplo: um Município com bem elaborado Plano Diretor, tem levantamento das áreas urbanas com risco de inundação em casos de enchentes. Sabendo disso, o atual e futuros gestores públicos já sabem onde não devem construir um conjunto habitacional, assim como onde há necessidade de um eficiente sistema de drenagem.

Um entendimento de urbanidade auxilia, dentre outras coisas, a se administrar um Município sem deixar de preservar seu patrimônio.

Estatuto da Cidade
Essas foram algumas das questões debatidas no VI Forum de Ideias Inovadoras em Políticas Públicas (FIP), realizado nesta semana na Assembleia Legislativa do Estado. O tema foi "Estatuto da Cidade, Plano Diretor e Habitação". Especialistas da área estiveram reunidos, mas de todas as opiniões há um consenso: o Estatuto da Cidade tem definido melhor as políticas urbanas municipais, mas pelo tempo que foi criado (há dez anos) as ações ainda são muito concentradas. "Metade do nosso Estado está fora do Plano Diretor", reclama Henrique Frota, diretor administrativo do Instituto Brasileiro de Direitos Urbanísticos (IBDU). Se ele for mais exato, mais da metade não é contemplada pelo plano - só 40%. A coordenadora do Laboratório de Estudos da Cidade, da Universidade Federal do Ceará (UFC), Linda Gondim, destaca que o Estatuto "abriu caminho para várias conquistas". Um dos exemplos seria a inclusão das Zonas Especiais de Interesses Sociais (Zeis). São áreas demarcadas no território de uma cidade para assentar famílias de baixa renda. É uma das missões do Plano Diretor prever onde podem ser instaladas as Zeis. Dessa forma, tem se prevenido a formação de favelas.

O arquiteto e urbanista Benny Schvarsberg, da Universidade de Brasília, defende que o Estatuto da Cidade é democrático e avançou na promoção da justiça social, como o direito à moradia, mas criticou a falta de uma política nacional de desenvolvimento urbano, em que haja um fundo com recursos e conselhos participativos. Para ele, não adianta apenas garantir a posse da terra sem que haja políticas associadas ao planejamento das cidades. A indireta foi para o programa Minha Casa Minha Vida, que considera "um avanço no sentido da alocação de recursos", mas que peca se forem construídos em locais desintegrados da cidade e sem a oferta de serviços públicos. "E não há uma política de Estado, como tem o Sistema Único de Saúde", pontua.

São obrigados a ter um plano diretor os Municípios brasileiros que sigam ao menos um dos requisitos: ter mais de 20 mil habitantes, estar localizado em regiões metropolitanas, possuir Plano Diretor há mais de dez anos, Município de valor turístico e situados em regiões que sofrerão impacto de um grande empreendimento.

Dos 72 Municípios cearenses que possuem plano diretor, 50 tiveram o documento elaborado pela própria Secretaria das Cidades. Os outros foram construídos com o auxílio de outros órgãos, como a Associação dos Prefeitos e Municípios do Estado do Ceará (Aprece). Vale acrescentar que o Plano deve ter propostas para as zonas rural e urbana, pois a intenção é que norteie o gerenciamento de todo o território municipal de forma articulada. Em Limoeiro do Norte, o Plano Diretor Participativo foi elaborado durante alguns meses em reuniões com a participação da população.

Um dos maiores entendimentos foi quanto a necessidade de preservação do Rio Jaguaribe, reorganizando o processo de ocupação das áreas ribeirinhas, notadamente as mais sujeitas a enchentes.

FIQUE POR DENTRO
Base legal
O Plano Diretor é um dos instrumentos de preservação dos bens ou áreas de referência urbana, previsto no artigo 182, parágrafo 1º, da Constituição Federal e na Legislação Federal através da Lei 10.257/ 01, popularmente conhecida como Estatuto da Cidade. O Plano Diretor é um instrumento básico da política de desenvolvimento do Município, fornecendo orientação na ocupação dos espaços urbanos e rurais.

PLANEJAMENTO MUNICIPAL
Áreas de risco podem ser evitadas

Limoeiro do Norte.
Os Municípios cearenses têm um grande gargalo a resolver, e só um verdadeiro planejamento urbano pode amenizar as tragédias futuras: reorganizar a ocupação territorial, bem como a destinação do esgotamento sanitário. O saneamento básico, ou melhor, a falta dele, deve ser uma das diretrizes do plano diretor. É um trabalho complexo, mas pode ser dito objetivamente: sabendo onde estão as principais áreas de risco e sem os serviços essenciais, pode-se priorizar o investimento público. A ocupação das margens do Rio Jaguaribe, em Limoeiro, e vários outros Municípios onde corre o manancial, tem provocado tragédias quando há fortes chuvas. Chove, as famílias saem; seca, as famílias voltam ainda maiores. Se o Município for passivo diante da urbanização desenfreada - e pior, legitimar as ocupações irregulares, estará anunciando tragédias e aumentando os gastos públicos. Num território imenso como o do Ceará, que em 2009 sofreu graves problemas com as enchentes, ter apenas 72 cidades com Plano Diretor se faz incorrer na dúvida sobre quantos Municípios cearenses estão se prevenindo de tragédias anunciadas.

Mas saneamento básico e saneamento ambiental não estão dissociados se uma população não tem regular esgotamento sanitário e os dejetos correm em fossas ou diretamente no rio.

Está em fase de conclusão, obra de saneamento básico em Limoeiro do Norte. A proposta é, senão universalização, que a quase totalidade do território urbano seja atendido por rede de esgoto. Mas a cidade está crescendo em número de áreas construídas. A área rural está sendo empurrada, aumentando a zona urbana e, portanto, a necessidade de atendimento de serviços de água, esgoto, telefone, luz etc.

Um plano diretor deve ter olhos para o futuro, planejar a cidade prevendo, inclusive, os processos de ocupação.

Quatro anos atrás, a Conferência Nacional dos Municípios deu oficinas para ensinar a criação de um Plano Diretor nos Municípios do Ceará.

Melquíades Júnior 
Repórter

Fonte: Diário do Nordeste

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