domingo, 27 de março de 2011

Nova leitura para cerâmicas

Mulheres de Cascavel aprendem a dar toque sofisticado em peças de cerâmica, aumentando a autoestima e renda

Nas aulas práticas, as ceramistas aprendem novas técnicas de amaciar a argila e aplicar adereços e carimbos
FOTOS: DIVULGAÇÃO
Fortaleza No povoado de Moita Redonda, no Município de Cascavel, a cerca de 57km desta Capital, o fazer artístico está intrínseco à história do lugar. Famílias inteiras se reúnem para moldar a argila. O resultado: lindos itens de decoração e de uso doméstico. Jarros, quartinhas, potes, tigelas, mealheiros, animais, figuras lúdicas, flores e, entre outros, muita criatividade. A arte ceramista, forte herança da cultura indígena no Ceará, que vem sendo retransmitida por geração, ganha, agora, uma repaginada, com o projeto Mulheres do Barro: Novas Expressões, de autoria da artista visual Sabyne Cavalcanti, reconhecido pelo Prêmio Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura, da Fundação Nacional de Artes (Funarte).

"O nosso objetivo é levar um novo design para a produção de barro, sem perder o grafismo ancestral do lugar", revela Sabyne. "É trabalhar com as artesãs seu potencial criativo levando para elas informações sobre as artes plásticas, desde a pré-história até a contemporaneidade", complementou. A proposta nasceu a partir da vivência da artista com a comunidade. Há 5 anos ela vive em Moita Redonda e acompanha a produção local. "Vi que ao longo dos anos as características vêm se transformando. Elas gostam de produtos mais coloridos e fazem poucas opções de modelos. Vi a necessidade de melhorar esta produção". Sem perder ou desconsiderar a produção destas mulheres, o projeto vai incentivar novas impressões no barro, resgatando o grafismo local, como as folhas de cajueiro e de mangueira, além de retomar o uso das colorações extraídas do próprio barro.

Renda de bilro serve de carimbo. Embeleza e dá um toque sofisticado às peças de barro. Sabyne é quem passa a técnica
No total, 20 mulheres de várias idades se reúnem semanalmente para trocar saberes. Além da experiência de Sabyne Cavalcanti, com estamparia em tecido, gravuras, xilografia e artes visuais, o grupo recebe a visita da ceramista Terry Kay e da artista visual Marina de Botas. Na residência artística, conta Sabyne, "é um momento de troca de saberes e conhecimentos de pessoas com diferentes formações".

Nos encontros semanais as participantes vivenciam práticas e teorias, tudo para diversificar a produção artesanal. Assistem, ainda, vídeos de artes para se inspirar a produção. As ceramistas estão aprendendo a utilizar rendas como aplicação e carimbo para incrementar as peças em barro. A renda de bilro, por exemplo, agrega a cultura regional com um tom refinado em cada peça. A ação, além de promover a cultura e produção artística cearenses, movimenta a cadeia produtiva local.

Os ateliês, em Moita Redonda, são no quintal de casa. As artesãs dividem os afazeres domésticos com a molda da argila
E por falar em geração de renda, este é também um dos objetivos deste trabalho, conforme conta a idealizadora. "Essas mulheres trabalham em casa, muitas vezes com os filhos, os maridos. Geralmente, vendem para atravessador ou encaminham para a Ceart. Não têm vendas constante. E isso dificulta a vida delas", conta. A comunidade fica a 3km da sede do Município, com acesso pela CE-040. Como as casas ficam distantes da rodovia, os turistas e transeuntes passam despercebidos deste celeiro ceramista.

Para Liduína Maciel dos Santos, hoje com 56 anos e há 30 produzindo cerâmica, o projeto será a oportunidade de divulgar o trabalho das artesãs e o local onde mora. "Estou gostando desse curso, pelo motivo que muitas coisas que eu sei fazer e as pessoas não sabem que eu faço, agora vão saber", conta.

Ela reconhece que as novas técnicas aprendidas podem potencializar as suas vendas. "Eu aprendi a aplicar a renda na peça, a trabalhar com o rolo que ajuda a deixar a argila mais macia. Eu espero que depois que as pessoas conhecerem nosso trabalho, façam pedidos e melhore mais as vendas", diz Liduína.

A expectativa da artesã é a criação de um site para vendas dos produtos. "Estamos fazendo um registro audiovisual deste trabalho e estamos criando um site com o trabalho de cada família", conta Sabyne.

PROTAGONISTAReconhecimento
O casamento com José Camilo dos Santos levou Liduína Maciel dos Santos a morar na Moita Redonda, em Cascavel, há 30 anos. Lá aprendeu a arte ceramista com a sogra. Ela diz que desenvolveu seu próprio estilo e suas peças. Quando tem encomenda, a família Santos entra na produção. Ela espera, após o curso, reconhecimento, divulgação e muitas vendas.

MAIS INFORMAÇÕES
Ponto de Cultura Lampião da Arte da Cultura - Rua Estrada do Bananal, S/N - Cascavel (CE)

Telefone: (85) 8831.5441

CONTINUIDADEProjeto realiza visita domiciliar e acompanhamento frequente
Desde janeiro, o Projeto Mulheres do Barro reúne as 20 ceramistas da comunidade de Moita Redonda. E este vem sendo o trabalho de formiguinha desenvolvido por Sabyne Cavalcanti. Ela diz que a assiduidade não tem sido a esperada. As participantes, muitas vezes, dividem o fazer artesanal com os domésticos e o cuidado com os filhos, dificultando a presença durante os encontros.

Visitas domiciliares foram a saída encontrada para suprir a ausência das artesãs. "Vou de casa em casa acompanhar a produção de cada uma. Sugiro modelos, formas. Acabamos interferindo até no modo de vida destas famílias, dando dicas de preservação ambiental, por exemplo", conta Sabyne.

Além da visita, o projeto promove passeios e eventos culturais, e está preparando as ceramistas para darem aulas do seu ofício. "Elas estão precisando de um novo elo com a sociedade. Vender produtos de qualidade. Elas estão aptas para darem aulas a grupos de estudantes. E esse povo está precisando também ganhar dinheiro".

Resultados
Enquanto os frutos do trabalho ainda não amadureceram, Sabyne Cavalcante comemora os resultados já alcançados. "Elas já estão praticando a renda, percebendo o valor de trazer a renda do bilro para aplicar na cerâmica. Estão vivenciando o fazer artístico", comemora, complementando sobre o resultado positivo para autoestima: "elas estão vivenciando a arte e por meio desta vivência elas olham para si e param de olhar só para a família", explica.

O Projeto Mulheres do Barro: Novas Expressões faz parte da premiação Interações Estéticas - Residências Artísticas em Pontos de Cultura, da Fundação Nacional de Artes (Funarte), oferecendo a artistas a oportunidade de desenvolverem um trabalho integrado a ações de Pontos de Cultura. Na cidade de Cascavel, o projeto integra as ações do Ponto de Cultura Lampião da Arte e da Cultura.

O Ponto de Cultura recebeu outra ação semelhante, com o Projeto Interações Artísticas Uirapuru, do luthier Tércio Araripe, resultando na Orquestra de Barro Uirapuru.

Também como resultado da ação, as artistas visuais Sabyne Cavalcanti e Marina de Botas produzirão outras obras de arte para comunidades.

EMANUELLE LOBO
Repórter

Fonte: Diário do Nordeste

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