quarta-feira, 13 de abril de 2011

Em busca de um ícone

Dos 285 anos que comemora hoje, Fortaleza divide bem mais que a metade com uma das mais bem sucedidas invenções de um cearense. Por toda a Cidade, Iracema, a índia de José de Alencar, se impõe e conquista sorrisos de nativos e turistas. Na Câmara, um projeto pretende legitimar a personagem como ícone cultural da Capital 

Da Praia que incorporou seu nome à Lagoa da Messejana, Iracema enfeita o cotidiano de Fortaleza em diferentes estátuas (BANCO DE DADOS)
Na década de 1930, um concurso batizou de Iracema a antiga Praia do Peixe e as ruas do bairro passaram a ter nomes indígenas. Ali foi construído o Hotel Iracema, dos primeiros de luxo da Cidade. A estátua da Iracema guerreira, debruçada sobre o mar, chegou bem mais tarde, em 1996. Anos depois da primeira, uma escultura de toda família – Iracema, Martim, o pequeno Moacir e o cachorro – numa jangada aportada no calçadão da Beira Mar, uma homenagem aos 100 anos do famoso romance de José de Alencar, comemorado em 1965.

E vieram outras Iracemas ganhando Fortaleza. A gigante, que repousa na Lagoa da Messejana se banhando, a dourada, surpreendendo no trânsito e uma um tanto escondida, no Palácio Iracema, que pertence ao Governo do Estado. A eterna índia dos lábios de mel também dá nome à marca de castanha, restaurantes, fábrica de rede e pousadas. Lembranças físicas e afetivas da personagem que sintetiza em sua história a formação do Ceará. O romance indianista de José de Alencar descreve a geografia, a história e a cultura indígena que marcaram a colonização do Estado.

As homenagens a Iracema sinalizam sua permanência no imaginário da Cidade, mas não têm os efeitos práticos que poderiam ter. Não está no conteúdo da rede de ensino, por exemplo, não ajuda a preservar as estátuas, a atrair mais visitantes para a Casa José de Alencar ou a expandir o turismo cultural. A organização não-governamental Caminhos de Iracema, criada em 2009, tirou da gaveta um city tour pautado na vida e obra de José de Alencar (ver matéria na página 5), promoveu 20 passeios gratuitos com grupos de diversos bairros da Capital e lembrou a cada um dos participantes como Iracema fala sobre a Cidade, seus hábitos e história, e como ela está por aí, muitas vezes sem a gente se dar conta.

O projeto piloto do city tour entrou no Orçamento Participativo e foi bancado pela Secretaria de Turismo de Fortaleza (Setfor). Dependendo de onde o grupo sai, o passeio começa pela Barra do Ceará, onde Martim Soares Moreno ergueu o Forte São Sebastião. Segue para o Centro, desce no Theatro José de Alencar, passa pela praia para ver as Iracemas da orla, visita a Casa José de Alencar e termina na Lagoa da Messejana.

Começou levando a população que mora em Fortaleza, mas quer alcançar também o fluxo de turistas que visitam a Cidade e fomentar o comércio de souvenires com a temática do romance. A cidade pode ganhar dinheiro com Iracema. “O turista quer conhecer a vida do jangadeiro, a história de Iracema, quer comer tapioca na Messejana. O restaurante do lado da Lagoa da Messejana pode ser um centro cultural, vender artesanato, tapioca. A Casa José de Alencar pode ter um museu com a história de José de Alencar. Os artesãos podem ser capacitados para trabalhar com a temática de Iracema. No espigão da Rui Barbosa tem um projeto de ter o primeiro livro da Cidade, 19 painéis com o romance na íntegra, e uma oca no calçadão, vendendo livros, personagens, bonequinhos”, vislumbra Gérson Linhares, que já desenvolveu outros roteiros turísticos culturais na cidade e coordena os passeios do Caminhos de Iracema.

Gérson é um entusiasta do projeto de lei que propõe a oficialização de Iracema como ícone cultural apresentado este mês na Câmara Municipal. O texto declara de “interesse público as ações do Município de preservação do patrimônio histórico do ícone e a promoção dele, através de políticas de educação, cultura, turismo e geração de emprego e renda”. “Não proponho construir um ícone, isso não se faz de forma artificial. Essa personagem, essa obra, já está incorporada em nosso cotidiano em várias situações, mas não nos damos conta do que significa realmente. Não nos damos conta do quanto essa personagem fala de nós”, diz o vereador Guilherme Sampaio (PT), autor do projeto.

Entre outros ícones que falam da nossa identidade e que podem também se desdobrar em cultura e turismo – como o jangadeiro – a escolha de Iracema agrada ao pesquisador, titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ismael Pordeus. “É uma referência cultural para nós. O indianismo de José de Alencar ajudou a construir a ideia de nação. Isso tem que ser reforçado já há bastante tempo. É algo que já está montado em nosso imaginário”, diz.

E agora
ENTENDA A NOTÍCIA
A possibilidade de oficializar Iracema como ícone cultural provoca o debate: o que pode mudar com a formalização do que já pertence à Cidade? Iracema tem cinco estátuas em Fortaleza, mas sua relevância como patrimônio não é aproveitada pela educação e pelo turismo e pela geração.

Mariana Toniatti
marianatoniatti@opovo.com.br

Fonte: O Povo

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