segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Estatuto da Juventude: o futuro não pode mais esperar

Para além de ofertar ou não meia-entrada, o desafio é tornar o jovem um alvo preferencial das políticas públicas

Um dos desafios do Estatuto é fugir da visão unívoca da juventude, percebendo-a em sua pluralidade
MARÍLIA CAMELO

Eles são o futuro da nação, mas também são protagonistas e vítimas da opressão e da violência. São os agentes das transformações do mundo, e ao mesmo tempo sofrem para conseguir o primeiro emprego e outras demandas sociais. Estão no auge do desenvolvimento biológico, só não sabem como equalizar as distorções do passado e a falta de perspectivas do futuro.

Esses são apenas alguns dos dilemas vividos pela juventude brasileira. Incluído somente no ano passado na Constituição, os 50 milhões de brasileiros entre 15 e 29 anos contarão com mais um instrumento para estabelecer obrigações do Estado específicas para este público: o Estatuto da Juventude.

Após sete anos de tramitação na Câmara Federal, o projeto de lei 4529/04 foi aprovado no último dia 5, mas ainda deverá passar pelo Senado antes da sanção presidencial. Com relatoria da deputada federal Manuela D´Ávila, este foi o primeiro projeto a receber contribuições e sugestões via internet. Cerca de 30% do texto final do Estatuto é composto desta participação.

Atraso
Entre outras medidas, o Estatuto estabelece a destinação de 30% do Fundo Nacional de Cultura para projetos voltados para a juventude, além de fortalecer políticas específicas para os jovens em áreas como educação, saúde e emprego. Mas se a criação deste e outros marcos regulatórios é positiva, não se pode esquecer que eles vêm com considerável atraso.

"Para se ter uma ideia, o Brasil foi um dos últimos países da América Latina a criar um órgão institucional para ouvir e trabalhar com políticas de juventude, em 2005. Antes do Brasil havia sido a Argentina, 13 anos antes", pontua o titular da Coordenador Especial de Políticas Públicas de Juventude no Ceará, Ismênio Bezerra. "Porque há uma diferença entre entender de juventude e trabalhar em políticas públicas para esta faixa etária. Falar de juventude todo mundo sabe, agora tratar desse tema enquanto instituição pública é outra situação".

No Ceará, são cerca de 2,3 milhões de jovens dentro da faixa etária contemplada pelo Estatuto. A atenção a este público foi iniciada aqui em 2003, mas como Secretaria de Esporte e Juventude (Sejuv).

Em 2007, esta parte foi desvinculada da Sejuv com a criação da Assessoria de Políticas Públicas para a Juventude, que se transformou em coordenadoria em 2009, com status de secretaria a partir deste ano. A meta da coordenaria é trabalhar na transversalidade, buscando incentivar a priorização do jovem nas demais áreas do Governo.

Na avaliação do coordenador, o maior problema das políticas hoje voltadas para a faixa etária é que elas não visam a emancipação do jovem, rompendo com o ciclo de pobreza. Na Europa, por exemplo, onde já se discute desde o fim da Segunda Guerra as políticas para jovens, países como Espanha e Portugal têm ministérios só para a juventude, voltados para a inovação nas políticas e serviços para a faixa etária.

"Já tivemos programas de qualificação, como o Programa Nacional do primeiro Emprego, que formou vários cabeleireiros e garçons, por exemplo. Nada contra estas profissões, mas precisamos ter todas as funções em todos os municípios e planejar estes programas tendo em vista a vocação local. Caso contrário, estes jovens vão ficar entrando e saindo várias vezes de programas de governo".

Problema ou solução?
Para Ismênio Bezerra, a falta de planejamento e investimento efetivos podem comprometer um futuro para além da fase juvenil, já que a maioria de jovens hoje formarão a maioria de idosos daqui a vinte anos. "O problema é que eles hoje não têm a qualificação necessária para ingressar no mercado formal, e quando eles envelhecerem o rombo na Previdência vai se tornar um buraco negro. Porque se eu não tenho uma base contribuindo, como é que eu vou ter no futuro atendimento aos idosos?", questiona.

Além disso, Ismênio considera que a visão que se tem do jovem é de um problema, e não de alguém que pode induzir o desenvolvimento. "Uma coisa que se fala muito é do ´problema´ da ociosidade dos jovens. Aqui as pessoas confundem tempo livre com ociosidade. O problema não é ser ocioso, e sim a condição financeira e social destas pessoas".

ENTREVISTA
Manuela D´Ávila
"Os jovens de hoje não são alienados ou indiferentes. As lutas mudaram"
1. Qual a importância da aprovação do Estatuto da Juventude?
O Estatuto é a continuação da implantação dos marcos legais sobre a juventude, que nós iniciamos com a PEC da Juventude. Trará obrigações ao Estado e segurança jurídica para a implantação das políticas.

2. Na sua visão, o que é ser jovem no Brasil e que especificidades esta faixa etária demanda?
A nossa juventude vive demandas específicas, que tratam da vulnerabilidade à violência, necessidades na educação, na formação e na saúde. Do ponto de vista dos jovens, é preciso avançar nestas políticas para garantir direitos básicos. E do ponto de vista do País, é preciso investir para que o Brasil alcance as condições mínimas para o seu desenvolvimento.

3. Apesar da importância de estatutos como o da Criança e do Adolescente e do Idoso, há críticas sobre a distância entre o discurso e a prática. Pode acontecer com o Estatuto da Juventude?
Estamos lutando para que o Estatuto saia do papel e vá para as ruas, escolas, bairros e cidades. Depende do poder público, mas depende principalmente de nossa sociedade.

4. Um dos pontos polêmicos do Estatuto diz respeito à meia para eventos e transporte. Será possível manter esses direitos até a sanção presidencial?
Nós consolidamos, em consenso com todos os partidos, um entendimento que abarca as legislações hoje me vigor no Brasil, e ao mesmo tempo traz um ordenamento jurídico mais sólido que a Medida Provisória editada no governo FHC. Estamos conversando com todos os setores para trazer este direito aos jovens estudantes, sem sacrificar nenhum setor nem abrir mão de direitos.

5. Existe uma percepção generalista do jovem de hoje como indiferente e apolítico. A senhora concorda com esta percepção da juventude?
Posso dizer que a juventude hoje luta em defesa da educação, cultura, emprego. Luta de formas diferentes dos anos 60, pois vivemos hoje outra realidade. Não podemos dizer que os jovens que atuam na cultura nas periferias das grandes cidades, que lutam em defesa do meio ambiente, que realizam grandes mobilizações de massa nas suas cidades em defesa do transporte público sejam alienadas ou indiferentes. Para mim, a juventude continua lutando pelos seus direitos, de formas diferentes mas ainda na luta.

Deputada federal
PROTAGONISMO
Juventudes ainda invisíveis
Historicamente, a visão do jovem como uma categoria diferenciada das demais fases da vida data do fim da Segunda Guerra Mundial. Antes disso, jovem era aquele que estava na expectativa da idade adulta, em que o avanço na faixa etária era acrescido pela atribuição de novas atribuições e papéis sociais a serem assumidos.

Hoje, no entanto, a palavra de ordem é o protagonismo juvenil, em que se credita à juventude o poder e a capacidade das transformações políticas e sociais. Por que, então, deveria haver um Estatuto para as demandas dos jovens?

Para Alessandra Oliveira, professora do curso de Comunicação Social da Universidade de Fortaleza (Unifor), o uso do termo "juventudes" no texto do Estatuto já é um indicativo da complexidade que envolve a temática, bem como a ideia de que os jovens têm um espaço garantido pode ser passível de várias ponderações.

"Apesar de existir uma certa juvenização da sociedade, em que todos querem ser jovens, as juventudes continuam invisíveis, principalmente as que vivem nas periferias dos centros urbanos. A mídia tem uma responsabilidade nesta invisibilidade por mostrar apensas uma versão do que é o jovem. O Estatuto coloca a heterogeneidade das juventudes em pauta, começa falando que devemos usar o termo no plural, para mostrar como elas são diversas", avalia.

Com relação ao ponto mais polêmico do Estatuto, que é a concessão de meia para eventos esportivos e culturais, bem como para transporte intermunicipal e interestadual, a pesquisadora diz discordar da maneira como o tema vem sendo abordado na mídia, já que para ela é dado um peso maior àqueles que são contra a medida.

"A lei da meia entrada beneficia os jovens e, segundo os empresários, pode prejudicar quem vai pagar inteira. Será? Fico me perguntando se os preços seriam menores para todos se não existisse meia ou se os empresários ficariam apenas contentes em ganhar mais. Também devemos perceber que como os jovens estão sentindo mais dificuldade em entrar no mercado de trabalho, têm salários menores e muitos ainda precisam pagar seus estudos, a meia entrada irá colocar os jovens, que estão em situação desigual, em pé de igualdade com os outros grupos".

Para um dos diretores do Instituto da Juventude Contemporânea (IJC), David Barros, o Ceará têm desafios específicos. "Ainda há uma migração muito forte de jovens para capitais e outros estados por falta de oportunidades nos locais onde vivem. As políticas ainda são muito localizadas, e não levam em conta o que os jovens querem".

KAROLINE VIANA 
REPÓRTER

Nenhum comentário: