terça-feira, 4 de outubro de 2011

O conto que se reinventa

O conto "Lua Cambará", do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, ganha nova adaptação para o teatro, pela companhia pernambucana Ária Social. O musical será apresentado nesta quarta-feira, no Theatro José de Alencar


Livro, filme, música, ópera balé e agora uma "cantata cênica" com dança contemporânea e teatro. Pode-se dizer que o escritor Ronaldo Correia de Brito é "assombrado" por Lua Cambará desde a infância. Ainda criança, ele ouvia atento a história que o pai contava, repetidamente, da alma de uma mulher que vagava pelo sertão.

A narrativa ficou tão imbricada no imaginário fértil do garoto que este lhe deu vida por meio de um conto. A obra saiu do papel e se materializou de diferentes maneiras ao longo de 41 anos, chegando ao formato de uma "cantata cênica" - uma obra que mistura a linguagem da música com o teatro - como o escritor define a atual produção realizada pela companhia Ária Social, que chega a Fortaleza, nesta quarta-feira, para apresentação única no palco do Theatro José de Alencar.

O fascínio em torno da história trágica de Lua, uma mulher ressentida, malvada, que ama, não é correspondida e não encontra paz mesmo depois da morte, teve diversos desdobramentos artísticos. "Isso prova que a obra está viva. Tem 41 anos que ela saiu do sertão dos Inhamus e vaga por diversos lugares. É a literatura sendo adaptada para outros formatos e linguagens", observa o escritor.

Em 1990, a Companhia Sopro de Zéfiro transforma Lua Cambará em uma ópera balé, na qual a bailarina Cecília Brennand interpreta a heroína e o escritor cearense participa como diretor artístico. Em 2010, a produção ganha releitura, sob a direção de Cecília Brennand, com um balé formado por jovens atendidos por um programa social da Capital e Região Metropolitana de Recife.

A lenda de Lua, filha de coronel com uma escrava, já passou por palcos do Nordeste, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro desde julho do ano passado. "Queríamos levar para o Sudeste um espetáculo que tivesse a nossa cultura, por isso escolhemos Lua Cambará", explica a diretora artística. A produção foi organizada em quatro meses, possui um corpo de balé com 49 artistas e conta com músicas inéditas compostas por Antônio Madureira, parceiro do escritor Ronaldo Correia de Brito em outras adaptações do conto.

Novidade
Um dos diferenciais do espetáculo é o fato da história de Lua Cambará não ser contada, mas construída por meio dos sentimentos experimentados pela personagem. "Essa foi a produção mais completa que já realizei em meus 23 anos de carreira. Nesse espetáculo, temos sete luas, cada uma representando um sentimento. Em 1990, tínhamos a narrativa e eu interpretava Lua", observa a diretora, que interpreta os sentimentos de amor e morte da protagonista.

A fragmentação da heroína foi trabalhada em profundidade com os artistas de forma a que estes conseguissem expressar todas as emoções por meio de um complexo jogo de dança e interpretação. "Trabalhamos com as sensações mais primitivas do homem, como o amor, o ódio, a perda. Com isso, deu para perceber o amadurecimento da equipe ao longo do processo. As meninas, por exemplo, se tornaram mulheres", destaca uma das coreógrafas e diretoras artísticas do musical, Ana Emília Freire.

"Lua é uma morta cada dia mais gloriosa e bonita", brinca Ronaldo Correia de Brito ao descrever a sensação que teve ao assistir à produção. O autor assistiu à apresentação em São Paulo e destaca os efeitos de iluminação e som como duas grandes qualidades do espetáculo. "É muito impressionante, eu espero que em Fortaleza seja do mesmo jeito. É uma montagem atual, contemporânea. É muito bonito ver todo esse corpo de balé", comenta.

A versão da companhia Ária Social prima pelo aspecto musical da obra. Apesar de fiel ao roteiro dramatúrgico de Ronaldo, a obra é, em essência cantada, e a execução das músicas é ao vivo.

Conto
Lua Cambará foi escrita por Ronaldo Correia de Brito aos 20 anos. A história é uma adaptação de uma lenda oral parte do imaginário cultural do interior do Estado.

"Essas lendas têm nomes de pessoas de famílias da região e Lua Cambará é o que se conhece na literatura como mito do corpo seco. É a mulher ruim que mata, é rejeitada e, ao morrer, fica vagando e assombrando as pessoas", explica o autor. A história, aparentemente inofensiva para as gerações atuais, era mesmo de assustar, como confessa o escritor. Tamanho foi o medo da assombração que ela sempre o acompanhava no pensamento ao longo da infância e adolescência na região do Cariri, até que saiu da sua cabeça para ganhar o papel.

A experiência com os contos de assombração, o autor teve na infância, na Região do Cariri, para onde a família mudou-se quando este tinha apenas cinco anos de idade.

Apesar da origem da família do escritor ser a região dos Inhamus, foi no Cariri que o pequeno Ronaldo cresceu e lá se deparou com os mitos, lendas e narrativas repassados às diferentes gerações pela oralidade.

Cronologia
1970, Ronaldo Correia de Brito escreve o conto Lua Cambará

1975 , Ronaldo e Assis Lima escrevem um roteiro para cinema. A obra é rodada entre 1975 e 1977 em super 8, com direção de Horácio Carelli.

1977, Lua Cambará, com música de Antonio Madureira, é gravada pela orquestra Romançal

1979, a obra ganha versão em vídeo e é veiculado na televisão

1990, a Companhia Sopro de Zéfiro encena a ópera balé com coreografia de Zdenek Hampel

2001, Rosemberg Cariry filma Lua Cambará com Dira Paes e Chico Dias nos papeis principais

2003, Ronaldo Correia de Brito reescreve o conto Lua Cambará e edita no livro Faca, com a Cosac&Naify

2010, Nova encenação do espetáculo musical, com música ao vivo, por professores e alunos do Aria Social

MISSÃO
Arte engajada
O Aria Social é uma associação sem fins lucrativos, criada em agosto de 2004, para atender crianças e jovens de comunidades de baixa renda e vulnerabilidade social de Recife e Jaboatão dos Guararapes. Fruto da iniciativa da bailarina Cecilia Brennand, o projeto surgiu do desejo e da necessidade de democratizar a arte pelo que ela tem de força transformadora, de potencial educativo, de fortalecimento da autoestima e de propulsora da criatividade, tornando-se assim um acessível instrumento de formação. Atende, anualmente, em média, 420 educandos, entre 4 a 25 anos, em oficinas de formação continuada em dança, música, percussão e capoeira, oferecendo ainda atividades complementares para o ensino escolar formal, além de benefícios como transporte e alimentação.

MAIS INFORMAÇÕES:
Lua Cambará - espetáculo da Cia. Aria Social, às 20 horas, no Theatro José de Alencar. Ingressos:
R$ 15 (inteira) e R$ 7 (meia)


Nenhum comentário: