segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Leitura conectada

O avanço tecnológico, seus videogames, computadores e tablets, afastam a humanidade do livro tátil, seus odores, parágrafos e alergias, ou aproxima quem possui um leitor eletrônico do milenar hábito de ler?


Lá estava um cartaz, um outdoor, anunciando que os tablets substituem livros em alguma escola cearense. Naquela mochila que nos acostumamos a levar para a escola (“segunda-feira é dia de matemática, português, biologia e física”), que formavam o caráter ao entortar as colunas em formação de crianças e adolescentes de dezenas de gerações. Mas e onde está o prazer? Cada ano que vai passando e o lado prazeroso da literatura vai ficando cada vez mais portátil, prático, rápido – quiçá até mais barato.

Nos EUA, pátria-mãe de alguns avanços tecnológicos, a nova mídia já tem mostrado suas nuances. Se alguns apontam a tecnologia como responsável por um distanciamento dos livros, uma pesquisa publicada pelo site good.is traz que donos de e-readers (leitores eletrônicos de livro) compram mais livros anualmente do que leitores tradicionais – o que inicialmente era interpretado como fruto da “compra por impulso”, pela rapidez e facilidade de compra online. Mas entendamos que livro comprado e livro lido são coisas bem diferentes. E nessa toada a pesquisa também seguiu, perguntando aos entrevistados o número de livros lidos por ano. Segundo o good.is, 36% dos donos de e-readers leem entre 11 e 20 livros no ano, contra 19% dos leitores convencionais. Para 21 ou mais livro, o percentual cai para 26% dos tecnológicos, contra 19% dos tecnofóbicos. Nos EUA, estima-se que o público leitor consuma 5,5 livros por ano. De acordo com pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro em 2008, o Brasil tem 55% de leitores, consumindo 4,7 livros por ano – mas o percentual cai para menos de dois livros por ano se excluídos os estudantes de até nível médio.

Em terras alencarinas, tão distante do Tio Sam, tem quem esteja desfrutando da infinitude da memória eletrônica no prazer da literatura há muito. Desde novembro do ano passado dono de um Kindle, o e-reader da Amazon e líder do mercado, o jornalista e escritor Alan Santiago já passou dos 21 livros lidos em 2011, limite máximo da pesquisa. De acordo com ele as vantagens giram em torno de três pontos: praticidade (levar uma biblioteca de milhares de livros num aparelho de 200 gramas), pesquisa (você pode procurar termos em um livro ou em todos) e recursos (como, por exemplo, aumentar o tamanho da letra). Em tempos natalinos, Alan já ganhou dois livros de presente Ambos virtuais.

A estudante universitária Isabelle Leal, no entanto, defende o ritual da leitura. “Eu gosto mesmo é de folhear as páginas, sentir o cheirinho quando compro livro novo, reler um livro e encontrar pedaços de papel marcando as páginas”, defende, avisando que quando lê revistas tem ainda mais rituais. Já Joyce Miranda Leão, mestranda em Sociologia, garante que, mesmo tendo tentado com um e-reader, não foi cativada. “O livro impresso é um companheiro. Você o coloca do lado da cama, você leva para viagem. O papel é um instrumento que ajuda no contato com a história”, conta a mestranda, que diz ter lido pelo menos 20 livros no ano.

Confronto das ideias
Você acha que e-books substituem o prazer da leitura de um livro impresso?
SIMLeitor de conteúdo
Quem gosta de ler, antes de tudo, gosta do conteúdo do livro. Você ler no papel, no muro ou num Kindle, no final é a mesma coisa. Não acho que há uma diferença. No livro tem uma questão emocional, fetichista, que vem com o livro. Mas, no final das contas, uma pessoa que leu um livro num papel soft color e num e-reader vão conversar em níveis iguais, tendo entendido a mesma coisa.
Alan Santiago, 23, jornalista e escritor.

NÃO
Leitor criativo
Há uma diferença de cognição entre o e-book e o livro. Você não tem como empregar um sentido para uma palavra no eletrônico. O leitor também cria um sentido quando não conhece um termo, no e-book você se vê obrigado a clicar no vocábulo e encontrar o significado. O papel do leitor também é criar. Como em toda a história da tecnologia, é tudo mastigado. Não consigo ignorar a relação táctil com o papel.
Mariana Marques, 29, apresentadora do Studio Viva, escritora e publicitária.

André Bloc
andrebloc@opovo.com.br

Fonte: O Povo

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